09/11/2010

Animais de Estimação e Equilíbrio Psicológico

Nos lares italianos há cerca de 7,4 milhões de gatos, 6,9 milhões de cães, 1,8 milhão de roedores e outros mamíferos não identificados, 13 milhões de pássaros e 1,4 milhão de outros animais, provavelmente serpentes, iguanas, aranhas e similares. E há ainda 29 milhões de peixes. Essa é a estimativa do Centro de Estudos Zoomark, em relatório sobre o mercado italiano de produtos para animais, apresentado em 2004.

É natural perguntar as razões da existência desses milhões de animais de estimação (pet em inglês, do verbo to pet, afagar, acariciar) e investigar os mecanismos sociais e psicológicos que nos levam a viver com cães, gatos e outros bichos. Os sociólogos mostraram que o fenômeno ocorre associado à urbanização, à difusão da higiene (água e sabão para todos), ao bem-estar generalizado e à alfabetização em massa. Esse fenômeno social, típico da sociedade moderna, passou a envolver também, nos últimos tempos, metrópoles orientais: em Bangcoc, por exemplo, realizaram-se em 2003 duas convenções dedicadas aos bichos de estimação.

Outro fator contemporâneo que parece explicar a pacífica invasão desses animais em nossas vidas é a mudança na estrutura familiar. A família ampla, com vários filhos, avós, parentes e empregados deu lugar à família restrita, com o casal, dois filhos (se tanto), raros avós e nenhum parente.

E há ainda os solteiros, inúmeros segundo as estatísticas sobre núcleos familiares compostos por uma única pessoa (em geral, viúvas). Daí a interpretação de que os animais substituiriam outros afetos mais importantes, o discurso sobre a alienação da cidade e a solidão dos idosos. Esses lugares-comuns, disseminados pelos meios de comunicação, são contestados pelos especialistas.

Segundo a psicóloga e psicanalista Barbara Alessio, "a relação com os animais é uma exigência profunda e autêntica dos seres humanos, com características próprias. Poderíamos falar de uma 'pulsão zoófila', isto é, de uma antiga inclinação para estabelecer relações com outras espécies.

Pode ocorrer, é claro, que o vínculo com um animal esteja substituindo outras necessidades, mas trata-se de uma distorção que pode ocorrer também em outras relações e atividades".

Cabe salientar ainda os progressos da medicina veterinária, que permitiram eliminar ou controlar as zoonoses (as patologias comuns a humanos e animais), eliminado assim o "medo de doença", que até pouco tempo tornava problemática a relação. Adriano Mantovani, do Centro de Colaboração OMS/FAO para a higiene urbana, recorda que "a raiva foi erradicada da Itália em 1973. Essa data marca o fim da época de indisposição com os animais e o início de um novo período, o da convivência. Antigamente, a relação com os animais de estimação, sobretudo os cães, era caracterizada pelo medo da raiva e de zoonoses, devido à cultura higiênica típica do fim do século XIX e início do XX. Nos últimos anos, porém, passamos para uma terceira fase, marcada pela promiscuidade: os animais de estimação deitam em nossas camas e sobem na mesa de jantar".

O entomólogo e sociobiólogo Edward O. Wilson estudou a atração humana pelos animais. De fato, ele fala em biofilia, ou amor pela vida, algo que não se limita a animais, mas se estende às plantas e aos ambientes naturais. Com essa expressão Wilson pretende assinalar o gosto humano inato pelos seres vivos e processos vitais.

Dito dessa forma parece tratar-se de um conceito vagamente sentimental, até mistificador. Na realidade, suas raízes são bem materiais e envolvem nossa história evolutiva. Desde sempre, os seres humanos conviveram e interagiram com os animais: mais precisamente, desde o tempo em que éramos caçadores e coletores e principalmente a partir da domesticação, um dos eventos mais significativos da história humana, iniciado há cerca de 10 mil anos. Segundo o veterinário Giovanni Ballarini, "se é verdade que o ser humano iniciou a domesticação e o animal se deixou domesticar, ao final é o animal domesticado que transforma a sociedade dos homens". A relação, também conflituosa, com os animais - nem a caça nem o treinamento são relações de "amor" - é uma constante na vida dos seres humanos em todas as épocas.

Mas as espécies e a situação mudaram, principalmente a proporção demográfica. Durante milênios e até poucos séculos atrás, os humanos eram minoria em relação a outras espécies vertebradas; agora, invadiram todo o planeta. Mudaram ainda os sistemas de produção: os bois foram substituídos por tratores e os cavalos por automóveis. E quase ninguém espera sobreviver comendo aquilo que caça.

As sociedades evoluem e, assim, cada época tem seus animais de estimação e seus problemas. Se hoje tememos a mordida de um pitbull, na Idade Média as crianças eram agredidas por porcos que perambulavam pelas ruas, como testemunham os vários processos ocasionados por esses animais durante séculos. No outro lado do mundo, os chineses já gostavam de peixes vermelhos desde 1200 e selecionaram os tipos brancos, os vermelhos com manchas amarelas, os listrados e bem pequenos e os com três caudas ou olhos protuberantes. Quanto a nós, só nos últimos decênios trouxemos para nossas casas e apartamentos (fenômenos ainda mais recente) cães, gatos e outros animais.

Não se trata, portanto, de uma "degeneração moderna", mas da adaptação a novas circunstâncias de um hábito antigo e difuso. Vale citar a clara explicação de Bruce Fogle, veterinário, ensaísta e fundador da Hearing Dogs for the Deaf, sociedade que adestra cães para pessoas surdas: "Os animais são parte integrante das culturas de todo o mundo, independentemente do grau de civilização alcançado. Para a maioria dos europeus e americanos, os únicos animais com que entram em contato são os de estimação, isto é, cães e gatos, os últimos elos de uma cadeia animal ligada a um passado que deixamos para trás apenas recentemente, quando nossos pais trocaram o campo pela cidade. Compartilhar o ambiente com outros animais é algo que tem raízes profundas na evolução da sociedade humana e foi com base nesse hábito que se desenvolveu nosso renovado interesse por animais de estimação".

Essa característica da natureza humana ajuda também a compreender a eficácia da pet therapy, a inserção de um animal de estimação no programa de cura e assistência a pessoas ou grupos com problemas físicos, psicológicos ou sociais, controlado e acompanhado por médicos, psicólogos e veterinários. Seria mais correto chamá-la de animal-assisted therapy - em português, terapia assistida por animais .

Esses "companheiros de tratamento" são quase exclusivamente cães e gatos, pois outras espécies, como macacos e papagaios, suscitam problemas de ordem moral e de preservação. O critério fundamental para que se possa falar de pet therapy é que o animal não seja apenas uma útil prótese "física" - como no caso de cães para cegos - mas se torne um "amigo", um companheiro de vida: deve ser criado um vínculo afetivo que desenvolva uma dinâmica psicológica positiva. As emoções, como sabemos, têm base bioquímica e incidem sobre processos cerebrais.

Um experimento famoso, realizado há cerca de 20 anos, mostrou que acariciar e falar a um gato reduz a pressão arterial. Pesquisas recentes parecem indicar que tais práticas aumentam também os níveis cerebrais de serotonina. Em muitos países, cães e gatos estão presentes em hospitais, escolas e manicômios, em terapias ou como simples companheiros. A mesma iniciativa é aplicada em presídios, para melhorar o ambiente e o convívio entre os detentos. Em Alcatraz (1962), de John Frankenheimer, um condenado criava canários e se tornava uma autoridade no campo da ornitologia. O filme lançou a idéia e, como recorda Ballarini, nos Estados Unidos, "desde 1978 as pesquisas sistemáticas sobre o uso de animais em manicômios criminais e prisões têm revelado que a prática atenua as tensões psíquicas e reduz a agressividade".

Mais recentemente, em 2003, na Universidade de Tel Aviv, realizou-se um experimento de laboratório para avaliar se fazer carinho num animal de estimação reduzia a ansiedade. A causa desta última era outro animal, mas pouco apreciado: uma tarântula. As pessoas submetidas ao teste eram 58. Os animais à disposição delas, nas várias sessões, incluíam um coelho, uma tartaruga, além de coelhos e tartarugas de brinquedo. O resultado foi que, ao acariciar os animais de verdade, até mesmo a rígida tartaruga, a ansiedade foi reduzida, inclusive nas pessoas que não eram particularmente afeiçoadas a bichos; os animais de brinquedo, porém, não geraram o mesmo efeito.

Resultados positivos também foram obtidos, em várias partes do mundo, com crianças com dificuldades de aprendizagem, idosos depressivos e doentes físicos e/ou mentais. Um episódio significativo é contado por Barbara Alessio. Uma jovem mulher que sofria de graves problemas psíquicos estava internada em um hospital psiquiátrico após a morte da mãe. Ela não falava com ninguém havia meses, até que um dia, por acaso, encontrou Asia, a cadela da psicóloga que trabalhava, justamente, em terapias assistida com animais. A jovem saiu então de seu longo mutismo, solicitando informações sobre a cachorra. O episódio é recente, mas lembra o que ocorreu ao psiquiatra infantil Boris Levinson, há quase 50 anos. O ocorrido foi para ele um momento exemplar, quase uma iluminação: um paciente, uma criança com graves problemas de comunicação, chegou para a consulta marcada. Naquele dia, o cão do médico estava sob a mesa e a criança se pôs a falar com o animal, exprimindo também emoções.

O aspecto terapêutico e pedagógico da relação com os animais não passou despercebido às autoridades italianas. Em fevereiro de 2003, foi aprovado um acordo entre o Ministério da Saúde e as várias regiões sobre "o bem-estar dos animais de estimação e a pet therapy", para "promover iniciativas voltadas a favorecer uma correta convivência entre as pessoas e os animais de estimação, respeitando as regras sanitárias, ambientais e o bem-estar dos animais". O acordo salienta, entre outras coisas, que é preciso "assegurar o bem-estar dos animais, evitando castigos diretos e indiretos e favorecendo o desenvolvimento de uma cultura de respeito pela dignidade deles, inclusive no âmbito da inovadora terapia animal". De fato, o bicho pode sofrer em tais terapias. Maus-tratos e outros abusos são indícios de que nem tudo vai bem, sobretudo para os animais, que não têm como se defender. Como já se notou, milhares de animais são abandonados todos os anos ou até eliminados porque apresentam transtornos de comportamento: na realidade, estes são ocasionados pelo comportamento equivocado dos donos.

A relação com os animais é feita de amor, mas o amor, muitas vezes, é equívoco, ambíguo, uma mistura de dominação e afeto. Camilla Pagani, do Instituto de Ciência e Tecnologia da Cognição do CNR, também estudou o lado obscuro da relação com os animais de estimação: "A pesquisa psicológica, realizada sobretudo nos meios anglo-saxões, mostrou que a violência contra os animais está, freqüentemente, associada a transtornos psicológicos, em particular a atitudes e comportamentos agressivos em relação a pessoas. Além disso, essa violência pode ser indicador de situações familiares e ambientais problemáticas, caracterizada, conforme o caso, por violência física, psicológica ou abuso sexual". Compreender o porquê dessa deterioração pode ajudar os envolvidos, sobretudo os animais, que, do contrário, estarão condenados a um triste destino.


Revista Viver Mente e Cérebro

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