Amigos,
Eu não sei se vocês sabiam, mas, absurdamente, o Ministério da Agricultura e o CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária) proibiam o tratamento da Leishmaniose Visceral no nosso país, ao contrário do que é feito em outros países do mundo. Porém, no dia 17 de janeiro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu decisão favorável à revogação desta proibição em ação impetrada pela Sociedade de Proteção e Bem Estar Animal Abrigo dos Bichos. Esta decisão gera uma jurisprudência que permite que qualquer pessoa cujo cão desenvolva a doença o trate, mesmo que, para isso, precise entrar na Justiça. Para facilitar a todos, reproduzo a seguir a íntegra da decisão, que encontrei em uma matéria da Associação Piauiense de Proteção e Amor aos Animais (cliquem no link), onde vocês também podem encontrar uma ótima matéria do Portal R7 a respeito. Caso a matéria seja retirada do Portal R7, peço a vocês que me comuniquem para que eu poste o vídeo, uma vez que fiz seu download para esta eventualidade.
PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1.426/08
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Publicado em 17/1/2013
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012031-94.2008.4.03.6000/MS
2008.60.00.012031-3/MS
RELATOR : Juiz Convocado DAVID DINIZ
APELANTE : SOCIEDADE DE PROTECAO E BEM ESTAR ANIMAL ABRIGO DOS BICHOS
ADVOGADO: WAGNER LEAO DO CARMO e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
No. ORIG. : 00120319420084036000 4 Vr CAMPO GRANDE/MS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012031-94.2008.4.03.6000/MS
2008.60.00.012031-3/MS
RELATOR : Juiz Convocado DAVID DINIZ
APELANTE : SOCIEDADE DE PROTECAO E BEM ESTAR ANIMAL ABRIGO DOS BICHOS
ADVOGADO: WAGNER LEAO DO CARMO e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
No. ORIG. : 00120319420084036000 4 Vr CAMPO GRANDE/MS
EMENTA
PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1.426 - MAPA. CÃES INFECTADOS PELA LEISHMANIOSE VISCERAL. PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE PRODUTOS DE USO HUMANO OU NÃO REGISTRADOS NO MAPA. QUESTÃO DE DIREITO. ILEGALIDADE. LIVRE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE VETERINÁRIO. LEI N.º 5.517/68. ARTIGOS 1º, 5º, ALÍNEAS A, C E D, E 6º, ALÍNEAS B E H. ARTIGO 16 LEI N.º 5.517/68. CÓDIGO DE ÉTICA DO MÉDICO VETERINÁRIO. ARTIGO 10 DA RESOLUÇÃO N.º 722/2002. DECISÃO ACERCA DA PRESCRIÇÃO DO TRATAMENTO AOS ANIMAIS E RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS A SEREM EMPREGADOS. PRERROGATIVA DO VETERINÁRIO. AFRONTA À LEGISLAÇÃO PROTETIVA DO MEIO AMBIENTE. LEI N.º 9.605/98. CRIMES CONTRA A FAUNA. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS. INCONSTITUCIONALIDADE. REFLEXA. HONORÁRIOS. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Cinge-se a discussão à
possibilidade ou não de a Portaria Interministerial n.º 1.426, de 11 de julho
de 2008-MAPA proibir a utilização de produtos de uso humano ou não registrados
no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o tratamento de
cães infectados pela leishmaniose visceral.
2. A questão sob análise é
eminentemente de direito, diferentemente do que decidiu o juiz de primeiro
grau, porquanto o autor questiona tanto a legalidade quanto a
constitucionalidade da Portaria n.º 1.426. Assim, por se tratar de matéria de
lei, não é pertinente, data venia do ilustre relator, a discussão acerca da
possibilidade ou não de produção de provas em sede de cautelar.
3. A Portaria n.º 1.426 é ilegal,
porquanto extrapola os limites tanto da legislação que regulamenta a garantia
do livre exercício da profissão de médico veterinário, como das leis protetivas
do meio ambiente, em especial da fauna.
4. No tocante ao exercício
profissional, a Lei n.º 5.517/68 ressalta, dentre as atribuições do
veterinário, a prática da clínica em todas as suas modalidades, a assistência
técnica e sanitária aos animais sob qualquer forma, o planejamento e a execução
da defesa sanitária animal, o estudo e a aplicação de medidas de saúde pública
no tocante às doenças de animais transmissíveis ao homem e as pesquisas e
trabalhos ligados à biologia geral, à zoologia, à zootecnia bem como à
bromatologia animal em especial, consoante se observa dos artigos 1º, 5º,
alíneas a, c e d, e 6º, alíneas b e h. A mesma lei, que igualmente cria os
Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária, consigna dentre as
atribuições do CFMV, a expedição de resoluções para sua fiel execução e a
organização do respectivo Código de Ética. Com base no mencionado artigo 16 Lei
n.º 5.517/68 é que foi editado o Código de ética do Médico Veterinário,
consubstanciado na Resolução n.º 722, de 16 de agosto de 2002, cujo artigo 10
preceitua a liberdade do veterinário na prescrição do tratamento que considerar
mais indicado, incluídos os recursos humanos e materiais que entender
necessários ao desempenho da profissão.
5. Resta claro, com base no aludido
arcabouço normativo, que ao veterinário é que cabe decidir acerca da prescrição
do tratamento aos animais, bem como quanto aos recursos humanos e materiais a
serem empregados. A portaria, ao vedar a utilização de produtos de uso humano
ou não registrados no competente órgão federal, viola os referidos preceitos
legais e, por consequência, indiretamente, a liberdade de exercício da
profissão, prevista no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal, assim
como o princípio da legalidade, que conta do inciso II.
6. A Portaria n.º 1.426 revela-se
ilegal, ainda, por afrontar a legislação protetiva do meio ambiente,
especialmente a Lei n.º 9.605/98, que tipifica, dentre os crimes ambientais,
aqueles que são cometidos contra a fauna, e também a Declaração Universal dos
Direitos dos Animais, proclamada em assembléia da Unesco, em Bruxelas, no dia
27 de janeiro de 1978, que regulamenta a matéria no âmbito internacional, e que
foi recepcionada pelo nosso sistema jurídico.
7. A proteção dos animais em relação
às práticas que possam provocar sua extinção ou que os submetam à crueldade é
decorrência do direito da pessoa humana ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, previsto no inciso VII do §1º do artigo 225 do texto
constitucional.
8. A Constituição Federal, a
Declaração de Bruxelas e as leis de proteção à fauna conduzem-se no sentido da
proteção tanto da vida como contra os maus tratos. A vedação de medicamentos
usados para humanos ou dos não registrados para aliviar ou evitar a doença em
causa, desde que prescritos por quem de direito, representa séria violação e
desrespeito aos estatutos mencionados. Os seres vivos, de maneira geral, e os
animais em particular, juntamente com os demais elementos que compõem a eco
esfera, constituem o planeta Terra. Nada mais é que um organismo vivo, que
depende para sua existência da relação equilibrada da fauna, da flora, das águas
dos mares e dos rios e do ar. Somente tal compreensão pode garantir a
existência das gerações futuras. Disso decorre a responsabilidade que cada um
tem com o meio-ambiente. Pouco apreço pela vida ou por aquilo que a pressupõe
significa descomprometimento com o futuro. Sabemos como reproduzir a vida, não
como a criar efetivamente. Aquele que desmerece os seres com os quais tudo tem
sentido atinge nossa identidade e perdeu ou não adquiriu a essência do que se
chama humano. Por isso, é muito grave a edição da portaria de que se cuida nos
autos. Produz a concepção de que os seres humanos desconsideram o cuidado
necessário ecológico pelo qual somos responsáveis.
9. Por fim, não prospera a alegação
de inconstitucionalidade da portaria em questão. Consoante já demonstrado, a
matéria é sim objeto de lei e eventual afronta à Constituição Federal seria
apenas reflexa.
10. Honorários em 10% (dez por cento)
sobre o valor da causa em razão da estimativa desta na petição inicial (R$
1.500,00), da peculiaridade da controvérsia e do trabalho desenvolvido pelo
advogado. Custas ex vi legis.
11. Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 13 de setembro de 2012.
André Nabarrete
Desembargador Federal
André Nabarrete
Desembargador Federal
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